4.29.2011

Como confiar em si mesmo e nos outros

Olhemos para Buddha como um homem, exactamente igual a qualquer um de nós...


Buddha estava sentado por baixo de uma árvore a falar aos seus discípulos. Um homem aproximou-se e deu-lhe um estalo no rosto. Buddha esfregou o local e perguntou ao homem: – E agora? O que vai querer dizer?
O homem ficou um tanto confuso, porque ele próprio não esperava que, depois de dar um estalo no rosto de alguém, essa pessoa perguntasse: “E agora?” Ele não passara por essa experiência antes. Ele insultava as pessoas e elas ficavam com raiva e reagiam. Ou, se fossem cobardes, sorriam, tentando suborná-lo. Mas Buddha não era num uma coisa nem outra; ele não ficara com raiva nem ofendido, nem tampouco fora cobarde. Apenas fora sincero e perguntara: “E agora?” Não houve reação da sua parte.
Os discípulos de Buddha ficaram com raiva, reagiram. O discípulo mais próximo, Ananda, disse: – Isso foi demais: não podemos tolerar. Buddha, guarde os seus ensinamentos para o senhor e nós vamos mostrar a este homem que ele não pode fazer o que fez. Ele tem de ser punido por isso. Ou então todo mundo vai começar a fazer dessas coisas. – Fique quieto – interveio Buddha  – Ele não me ofendeu, mas tu estás a ofender-me. Ele é novo, um estranho. E pode ter ouvido alguma coisa sobre mim de alguém, pode ter formado uma ideia, uma noção a meu respeito. Ele não bateu em mim; ele bateu nessa noção, nessa ideia a meu respeito; porque ele não me conhece, como ele pode ofender-me? As pessoas devem ter falado alguma coisa a meu respeito, que “aquele homem é um ateu, um homem perigoso, que tira as pessoas do bom caminho, um revolucionário, um corrupto”. Ele deve ter ouvido algo sobre mim e formou um conceito, uma ideia. Ele bateu nessa ideia.
Se vocês refletirem profundamente, continuou Buddha, ele bateu na própria mente. Eu não faço parte dela, e vejo que este pobre homem tem alguma coisa a dizer, porque essa é uma maneira de dizer alguma coisa: ofender é uma maneira de dizer alguma coisa. Há momentos em que sentes que a linguagem é insuficiente: no amor profundo, na raiva extrema, no ódio, na oração.
Há momentos de grande intensidade em que a linguagem é impotente; então sentes que precisas fazer alguma coisa. Quando vocês estão apaixonados e beijam ou abraçam a pessoa amada, o que fazem? Estão a dizer algo. Quando vocês estão com raiva, uma raiva intensa, vocês batem na pessoa, cospem nela, estão a dizer algo. Eu entendo esse homem. Ele deve ter mais alguma coisa a dizer; por isso pergunto: “E agora?”
O homem ficou ainda mais confuso! E Buddha disse aos seus discípulos: – Estou mais ofendido com vocês porque vocês conhecem-me, viveram anos comigo e ainda reagem. Atordoado, confuso, o homem voltou para casa. Naquela noite não conseguiu dormir.
Na manhã seguinte, o homem voltou lá e atirou-se aos pés de Buddha. De novo, Buddha lhe perguntou: – E agora? Esse seu gesto também é uma maneira de dizer alguma coisa que não pode ser dita com a linguagem. Voltando-se para os discípulos, Buddha falou: – Olha, Ananda, este homem aqui de novo. Ele está a dizer alguma coisa. Este homem é uma pessoa de emoções profundas. O homem olhou para Buddha e disse: – Perdoe-me pelo que fiz ontem. – Perdoar? – exclamou Buddha. – Mas eu não sou o mesmo homem a quem você fez aquilo. O Ganges continua a correr, nunca é o mesmo Ganges de novo. Todo homem é um rio. O homem em quem você bateu não está mais aqui: eu apenas me pareço com ele, mas não sou mais o mesmo; aconteceu muita coisa nestas vinte e quatro horas! O rio correu bastante.
Portanto, não o posso perdoar  porque não tenho rancor contra si. E você também é outro, continuou Buddha. Posso ver que não é o mesmo homem que veio aqui ontem, porque aquele homem estava com raiva; ele estava indignado. Ele bateu-me e você está inclinado aos meus pés, tocando os meus pés; como pode ser o mesmo homem? Você não é o mesmo homem; portanto, vamos esquecer tudo. Essas duas pessoas: o homem que bateu e o homem em quem ele bateu não estão mais aqui. Venha cá. Vamos conversar.

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